Wednesday 2 July 2014

Prémios merecidos e prémios envenenados


Alimento da megalomania e da impunidade

Beira (Canalmoz) – Há uma grande distância entre um prémio que distinga uma individualidade pelos seus méritos e desempenhos e um prémio que se atribua simplesmente para lavar imagens gastas e colher dividendos suspeitos. Os “lobistas” que se encarregam do marketing de políticos e dirig...entes governamentais movem-se em águas turvas onde “milagreiros” têm a atenção concentrada em encontrar mercado para os seus serviços.
É difícil que alguém seja distinguido por bons serviços prestados para o ambiente quando as florestas do país estão sendo dizimadas a uma velocidade recorde. Mas isso já aconteceu em Moçambique, que teve o PR Armando Emílio Guebuza premiado nessa modalidade.
Agora surge a notícia de que o PR moçambicano será premiado ou distinguido pelo bom desempenho da economia do país em 2013. Não se pode negar o que os números dizem, mas é desconfortante saber-se que o país continua com “deficits” financeiros de vulto e que, ao mesmo tempo, foi durante o mandato deste PR que se concederam facilidades fiscais a multinacionais para que operassem com margens de lucro colossais. Tem sido tónica e prática de o Governo de AEG facilitar, mesmo quando não seja necessário, toda uma série de actividades de corporações alegadamente como atractivo para que invistam no país. Até aí pouco se pode contestar. Mas vender os recursos do país ao preço da banana e, como parece de algumas “joint-ventures”, ir buscar lucros em operações financeiras pouco escrupulosas e atropelando as leis do país é outra coisa bem diferente. Ter um executivo duma multinacional, com interesses específicos em Moçambique, no grupo dos conselheiros económicos externos do PR é não só discutível mas eticamente inaceitável. Em nome da soberania, da equidistância e da equidade, o PR não se mistura em jantares ou almoços sem obediência àquele protocolo que se impõe para a sua figura como chefe de Estado. Premiar o nosso PR na área económica poderia ser bem aceite e de saudar, mas quando acontece envolto de ilicitudes é de suspeitar. É difícil esquecer que a TATA Moçambique, de que o PR é sócio, beneficiou de negócios de autocarros sem aquela transparência que se advoga e que os preceitos de boa-governação aconselham. Afinal “o exemplo vale mais do que mil palavras”.
Quem diz que “existem moçambicanos com medo de ficar ricos” deve ser o primeiro a ser íntegro e a exigir responsabilidades quando a lei é quebrada ou se verificam sinais claros de prevaricação. Especialmente se essa pessoa está em posição de poder e autoridade.
Com um controle virtual do sistema de administração da justiça e da manutenção da ordem, caberia ao PR fiscalizar a execução governamental e garantir o cumprimento mais escrupuloso das leis. Separar os êxitos na promoção da economia de mercado do resto é jogo sujo de quem acaba beneficiando do ambiente propenso a ilegalidades e subfacturações e todo o tipo de engenharia financeira que lesa o Estado moçambicano.
A venda de acções no gás moçambicano, por empresas estrangeiras, sem que o país tenha as receitas óbvias, atenta contra o equilíbrio financeiro nacional e a redução da ajuda externa ao OGE.
É preciso que se esteja atento e que se tenha todo o cuidado quando se é presenteado com algo que muitas vezes é duvidoso e de significado complexo.
É de louvar que nosso PR seja agraciado com condecorações e prémios internacionais, mas ele deve ser merecedor consensual desses prémios.
Aquele marketing político com objectivos concretos desenhados numa ampla estratégia de infiltração e aquisição de posições de influência na arena económica do país deve ser motivo de preocupação para os moçambicanos e para o Governo.
Toda uma equipa de conselheiros económicos internacionais não ajudou o PR a tomar decisões de protecção dos interesses económicos do país.
A avalanche de negócios na área mineira foi estabelecida à margem duma legislação adequada ou exigente do ponto de vista ambiental e fiscal.
Sem que mecanismos aconselhados pela Transparência na Indústria Extractiva fossem seguidos, o país correu a assinar autorizações e concessões de natureza dúbia. Entrar em negócios só para que conste que estamos produzindo gás ou carvão sem que haja retornos significativos para o país não faz sentido. Tiram-se benefícios que não ficam no país. Ficamos com os buracos e com embaraços ambientais. Ficamos com populações deslocadas e em permanente conflito com as operadoras. Passa-se o tempo discutindo em seminários sobre as pontes a estabelecer entre os megaprojectos e as pequenas e médias empresas nacionais, tudo numa acção “a posteriori”. Coloca-se continuamente a “carroça à frente dos bois” num procedimento que não se pode atribuir à ignorância ou falta de experiência.
Assim, e tendo em consideração o que acontece na economia real, em que os desmandos e ilegalidades se acumulam, espanta que nosso PR seja mais uma vez distinguido. Será que o seu desempenho agrada aos que lucram com nossos rubis ou gás? Decerto que as contrapartidas obtidas pela ENI, Anadarko, Mozal, Sasol, VALE, Rio Tinto são apetecíveis e significam lucros para os seus accionistas.
Moçambique tem sido pasto fértil e lucrativo para as iniciativas económicas das multinacionais. O espaço e oportunidades oferecidas pelo Governo são um incentivo para que mais corporações se interessem em investir no país. Sem dúvida que isso traz os seus benefícios, mas não caiamos na ilusão de que a sua vinda para o país é solução dos problemas do país.
Sem “know-how” nacional, sem capacidade de fiscalizar e de negociar pacotes de investimento que signifiquem maiores contrapartidas para o país, sem uma gestão criteriosa dos fundos públicos provenientes das receitas que são pagas pelos megaprojectos, sem transparência e seriedade em toda a cadeia hierárquica, o país não conseguirá colher os benefícios justos dos recursos naturais que possui.
Os “prémios envenenados” não combatem a pobreza, eleita divisa e “slogan” do nosso PR.



(Noé Nhantumbo, Canalmoz)

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