Thursday 2 October 2014

Antigo guerrilheiro da FRELIMO denuncia onda de execuções sumárias durante a luta armada




Numa entrevista em exclusivo ao Canal de Moçambique, Zeca Caliate, antigo guerrilheiro da Frelimo fala-nos do livro de memórias prestes a ser lançado na Europa. Vem com o título, «Zeca Caliate – Odisseia de Guerrilheiro». No livro, o autor narra episódios da luta armada de libertação nacional e das razões que o levaram a abandonar as fileiras do exército libertador quando operava na Província do Niassa*. O CANAL DE MOÇAMBIQUE entrevistou o autor.


 
CANAL DE MOÇAMBIQUE:  Da leitura do livro, ressalta a determinacao de um jovem de 15 anos em juntar-se a uma frente de libertação nacional que se propunha a conquista da independência. Para além desse ideal, que outros factores o influenciaram ?
Caliate:  Sim, as alterações da situação política no país vizinho que naquele tempo era conhecido por Niassalandia, hoje Malawi, e a notícia sobre a formação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), caíram como uma avalanche, tendo  surpreendido toda a gente, em especial os jovens da minha geração naquela época em algumas províncias, nomeadamente em Manica, Tete, Zambézia e Niassa. Após esta notícia da independência do país vizinho as escolas foram simplesmente abandonadas, e os estudos seguiram rumo ao Malawi à procura da FRELIMO que tinha a sua sede em Dar-es-salam no então Tanganica. Como eu, muitos outros jovens não sabiam diferenciar uma independência pacífica e outra violenta por via das armas. Tudo o que nós queríamos era a independência de Moçambique.

 
CANAL DE MOÇAMBIQUE:   O seu livro narra uma série de episódios ocorridos no seio da Frelimo que vão ao encontro daquilo que Mariano Matsinhe admitiu publicamente: «na Frelimo era norma matar». Um caso incontornável é o de Filipe Magaia, chefe do Departamento de Defesa e Segurança.  O que motivou exactamente a eliminação de Magaia ? Consta que a decisão de se afastar Magaia contou com a anuência do próprio presidente da Frelimo, Eduardo Mondlane.
Caliate:  O meu livro relata toda a história verídica e esclarecedora, para aqueles que têm dúvidas sobre vários acontecimentos no seio da FRELIMO. Esta obra, não tem comparação com algumas afirmações do Sr. Mariano Matsinhe na entrevista que concedeu ao jornal SAVANA. Os fuzilamentos e assassinatos no seio da Frelimo foram iniciados com o Samora Machel, no seio da Organização e com o consentimento do próprio Eduardo Mondlane, presidente da FRELIMO, aplaudido pelos seus cúmplices e seguidores que planearam assassinar Filipe Magaia, Chefe dos Departamentos de Defesa e de Segurança (DSD) coisa que não existia antes do seu assassinato!


 
CANAL DE MOÇAMBIQUE:  Refere no seu livro o caso de soldados do exército colonial que desertaram para a Frelimo. Por exemplo, Pedro Câmara oriundo da Zambézia, Boaventura de Manica e Sofala, e Daniel de Tete, todos eles pertencentes à unidade GEP (Grupos Especiais Pára-quedistas). Segundo o senhor afirma, Pedro Câmara foi posteriormente fuzilado em Cabo Delgado.  No entanto, Sérgio Vieira, autor do livro, «Participei por isso testemunho», alega que Pedro Câmara era um agente infiltrado do colonialismo, que já havia operado na Guiné-Bissau e que era sua intenção assassinar dirigentes da FRELIMO. O que se passou exactamente para Frelimo ter decidido fuzilar Pedro Câmara ?
Caliate:  O furriel Pedro Câmara natural da Zambézia, o Socorrista Boaventura natural de Manica e Sofala e o soldado Daniel natural de Tete pertenciam aos GEP. Tudo está esclarecido no meu livro, fui testemunha desse episódio, pois isso reforçou a minha revolta contra os dirigentes da FRELIMO, porque não foram apresentadas provas se sim ou não o Pedro Câmara era um agente infiltrado. Eu sabia que na FRELIMO havia uma política de clemência para alguns como o caso do Cara Alegre Tembe que beneficiou dessa política e por ser do Sul.


 
CANAL DE MOÇAMBIQUE:  Durante a guerra em Tete, o senhor aponta Tomé Eduardo, mais conhecido por Omar Juma, como sendo o chefe da segurança nessa província. Omar Juma é um makonde como tantos outros responsáveis do sector da Segurança da Frelimo, nomeadamente Lagos Lidimo, Salésio Nalyambipano, para apenas citar alguns nomes. Trata-se apenas de uma coincidência ou a área da Segurança foi propositadamente preenchida por makondes? E em caso afirmativo, porquê?
CALIATE:  A história ensina-nos que o agressor nunca se lançou numa aventura sem aliados. Quando os irmãos do sul do rio Save planearam dominar o norte de Moçambique, tiveram que encontrar um aliado e este teria que ser uma tribo minoritária localizada no chamado planalto dos Macondes e nas portas de Tanganica que também se interessa e ambiciona as riquezas do nosso país. Por isso, Eduardo Mondlane o primeiro presidente da FRELIMO e o seu grupo de sulistas em especial os da sua terra natal (Gaza),encontraram uma facilidade em penetrar o interior de Moçambique através do norte, para o domínio total do centro onde se localizava a maioria. Por esta razão, os macondes, foram colocados como chefes do sector da segurança da Organização e desde sempre foram eles que serviram como pontas de lança dos sulistas.


 
CANAL DE MOÇAMBIQUE:  Um dos episódios mais marcantes da guerra da independência foi o massacre de Wiriamo. Mas no seu livro menciona que logo a seguir houve um outro massacre em Lucamba que não mereceu – e continua a não merecer – a mesma atenção da comunidade internacional e de
individualidades que têm tido uma postura de solidariedade para com o povo moçambicano Em sua opinião qual a razão desta dualidade de critérios ?
CALIATE:  Esta é uma verdade: FRELIMO e os seus cúmplices souberam aproveitar a fraqueza e os erros cometidos por aquilo que chamaram de tropas colonialistas, para manipular a opinião pública internacional e ao mesmo tempo procurar esconder todo o mal por ela praticado. Não é segredo para ninguém que a FRELIMO cometeu muitos crimes em vários locais dentro de Moçambique em nome da Libertação, crimes estes que continua a praticar até aos dias de hoje e que conta com vários apoios vindos do exterior!


 
CANAL DE MOÇAMBIQUE:  Entre o golpe de 25 de Abril de 1974 e a assinatura do Acordo de Lusaka, em Setembro desse ano, ocorre o que o senhor descreve como «massacre de Vila Pery». A Frelimo, em comunicado emitido pela sua delegação em Argel, acusa-o de ter sido o autor desse massacre.
CALIATE:  Quanto a este assunto, deixei bem claro no meu livro Odisseia de um guerrilheiro: Os líderes da FRELIMO pensam que eles que são incorruptíveis, quando cometem atrocidades procuram sempre alguém para ser responsabilizado, no caso de Zeca Caliate, deixaram cair a sua máscara pois cometeram vários crimes hediondos em Vila Pery (Chimoio), ou Vila Gouveia, que são terras as quais nunca conheci no passado ou no presente, foi o exército da FRELIMO que lá andou e deixou um rasto de banho de sangue de inocentes, que não quer assumir. Foi sempre assim por onde essa Organização passou!


*Na “Província de Tete” é que está correcto

CANAL DE MOÇAMBIQUE – 24.09.2014  




Fontes: Canal de Moçambique e Moçambique para todos

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