Wednesday 1 July 2015

Milhares de “académico-intelectuais”, mas onde está a sua produção?



Moçambique precisa de acordar para esta realidade paralisante.

  Não tem nada a ver com uma alegada mania de criticar o que se vem fazendo neste país. É simplesmente uma constatação de um “deficit” participativo gritante pela academia e os intelectuais nacionais.
Alguma corrida pela obtenção a todo custo de títulos académicos deixou de lado aspectos muito importantes. Multiplicaram-se instituições universitárias, mas a sua qualidade não cresceu. Uma universidade que não traz ou produz elementos novos, que não consegue responder às necessidades concretas de desenvolvimento do país não está cumprindo com a sua missão básica e principal.
É aqui onde tudo se complica. Foi sendo estabelecido ao logo dos anos uma relação doentia grave entre a academia e o poder político. A academia aceitou, de ânimo leve, cumprir funções que não são da sua alçada. Houve como que um contrato tácito que estabelecia troca de favores por serviços realizados por universidades a favor do regime. Bolsas de estudo e mordomias foram asseguradas para académicos “domesticados”. Relevância, cargos e toda a parafernália que acompanha tais cargos foram entregues de bandeja, e os receptores nem pestanejaram para executar as “tarefas atribuídas”.
Compatriotas, chegou a hora de olharmos com “olhos de ver” o que se passa no panorama político nacional, mas também como se desenvolvem os negócios na arena económica.
Alguém se lembra de quem engendrou ou conduziu sucessivamente processos eleitorais que resultaram em vitórias suspeitas?
Quem têm sido os ministeriáveis que chegam a ocupar as pastas ministeriais dos sucessivos Governos?
Intelectuais ou académicos ditos de “proa” são chamados a tratar de todos esses assuntos de uma forma “natural”. Os cidadãos até aplaudem as indicações, cientes de que essas pessoas serão mais-valias para importantes sectores da política e da governação nacional.
Os resultados não deixam mentir: quase sempre defraudam as expectativas.
A postura académico-intelectual e o desenvolvimento político e económico do país são questões de natureza intrínseca.
Quando o sistema nacional de educação produz quadros e qualidade sofrível, como se pode testemunhar, significa que o país sofre directamente e de maneira contínua.
Agora, até pedreiros e carpinteiros são importados de países como África do Sul, Zimbabwe e Portugal. Motoristas de camiões pesados chineses acompanham as empreiteiras chinesas actuando em Moçambique. Não é trabalho de intelectual fazer isso, mas acontece porque os intelectuais ocupando cargos de decisão no Governo se encontram convenientemente distraídos.
No que toca ao judiciário, onde pululam centenas de juristas, são inúmeras as queixas dos utentes. Desde a falta de celeridade processual à incapacidade de acusar os verdadeiros prevaricadores, o país vive uma situação de injustiça onde a lei é contornada pelos poderosos e a mesma não é igual para todos.
A pergunta que aflora constantemente é: “Que fazem, que produzem, milhares de académico-intelectuais? Salvo raras e honrosas excepções, a grande maioria não corresponde ao estatuto que amiúde exibe.
Denunciar a mediocridade de toda uma classe que deveria estar fazendo a diferença num país infestado de irregularidades e de podridão institucional efectiva é um primeiro passo.
Não podemos sossegar e pretender que as coisas são assim mesmo, que nada pode ser feito para alterar comportamentos e procedimentos. Não há por aí nenhum monstro que coíba a intelectualidade de manifestar-se e funcionar como tal.
Moçambique pode e deve ultrapassar a situação de país de “padrinhos e afilhados” conluiados para delinquir a coisa pública.
O fim da democracia “espectaculosa”, atabalhoada e formal exige rigor em todas as frentes, e uma delas, quiçá a estratégica e instrumental para levar a cabo a gigantesca tarefa da construção de um país sólido e democrático, é a área académica e intelectual. Aí é onde se joga a batalha da educação, factor transcendental para que tudo ocorra a contento.
Ultrapassar a mediocridade e subir para patamares que dignifiquem pessoas e instituições passa por esforços coordenados, mas também individuais.
Corruptos-corruptores é um binómio conhecido no país, pelo que os intelectuais não podem aparecer com justificações de que o seu combate é complexo ou, pior ainda, impossível.
Quem possui critérios, métodos e técnicas não se pode eximir de participar nalguma coisa tão patriótica como essa.
Não se pretende uma academia militante de causas políticas, mas simplesmente uma academia que não aceite servir de tampão ou “carimbo de batata” de acções manifestamente lesivas para os processos políticos e económicos do país.
Quando a academia e os seus intelectuais alinham com pareceres fraudulentos, estão servindo causas antipatrióticas e antidemocráticas.
Quando a academia se cala, torna-se cúmplice objectiva da corrupção, do crime, do abuso do poder, com todas as consequências que isso tem para o país e os seus milhões de cidadãos.
Quando se permite que opiniões que constituem inverdades sejam apresentadas na comunicação social como verdades emitidas por personalidades “imaculadas”, está-se jogando contra a democracia e os mais altos interesses do país.
Esta cumplicidade corrói o Estado de Direito e mina os alicerces para a paz social.
Tolerar o intolerável é contribuir para um estado de coisas de crise permanente, de onde uns continuam tirando vantagens de “pescadores em águas turvas”.
Este Moçambique não pode ter temor das dificuldades existentes, mas nem tão pouco pode vergar sob alegações de que o adversário é demasiado poderoso.
Vimos, num passado muito recente, caírem “autênticos embondeiros” da política nacional, e isso foi possível não só porque um grupo de membros de um partido se levantou contra tais figuras. Foi toda uma pressão nacional extrapartidária que colocou a razão onde esta deveria estar.
Existem fortes alianças, funcionando à base da protecção de interesses concretos que importa ter em atenção permanente, pois enquanto uns se batem pela clarificação de causas e pela independência dos poderes democráticos, outros encontram-se maquinando em permanência a favor das suas vantagens e posições.
A fluência com que cultores da charada democrática se exibem na praça pública tem a sua génese específica. Eles são especialistas na construção de ligações futuramente preciosas. Plantam “toupeiras” por tudo o que seja sítio, e no momento adequado exigem respostas e serviços preciosos.
Neste momento, levantam-se dúvidas quanto à resistência das defesas erigidas por alguns. Mostram atrapalhação e receio de que as suas acções do passado estejam sendo desvendadas e as suas linhas de defesa esburacadas por cada verdade inconveniente revelada.
Moçambique e os moçambicanos precisam de assumir com rigor e responsabilidade os projectos nacionais, e com rigor conjugarem esforços para que se ultrapassem práticas e procedimentos claramente prejudiciais ao interesse público.
Desenvolver Moçambique é afinal uma aposta que se deve assumir e abraçar.
Depende de cada um de nós…
Há “deficits” de comunicação e de troca de mensagens entre cidadãos, o que favorece os verdadeiros detractores da causa nacional.
Moçambique pode e deve erguer-se como país de homens e mulheres que não se abatem porque alguns dos seus compatriotas aderiram ao “fácil e saboroso”.




(Noé Nhantumbo, Canalmoz)

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