Tuesday 9 February 2016

Da lamentação e omissão de Nyusi


Na conferência de imprensa que concedeu no último domingo, 31 de Janeiro, aos jornalistas que o acompanharam a Adis Abeba, Etiópia, para onde se deslocara para participar em mais uma cimeira da União Africana (UA), o Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, pronunciou-se sobre o excessivamente prolongado impasse negocial entre o Governo de que ele é chefe e a Renamo, o maior partido da oposição em Moçambique, liderado por Afonso Dhlakama.
Disse o PR, basicamente, o seguinte: que está difícil chegar à fala com Dhlakama; que, na ausência deste [Dhlakama], não se sabia quem era número dois, número três, na Renamo, o que tudo complicava; que a única coisa clara é o facto de o número um ser Dhlakama.
Poderíamos nos ater na discussão da veracidade ou não do que o PR disse, mas tal não nos parece ser o mais importante neste momento. Se, num contexto clara e declaradamente de guerra (a que decorreu por 16 anos, entre 1976 e 1992), foi possível negociar com a Renamo até que se assinasse, a 4 de Outubro de 1992, em Roma, o Acordo Geral de Paz (AGP), será que, na actual situação, tal é mesmo uma tarefa quase que impossível, ou extremamente difícil?
Antes mesmo, talvez devamos questionar: depois que Dhlakama se fez, novamente, às matas da Gorongosa, após escapar ao segundo de dois ataques à sua comitiva, em Setembro de 2015, o que terá concorrido para que o líder da Renamo, uma vez saído das matas e se estabelecido na sua residência, na cidade da Beira, tivesse que se decidir, outra vez, em se refazer à ‘parte incerta’? Será que o desarmamento compulsivo a que a sua guarda foi sujeita, na manhã imediatamente a seguir à noite da sua chegada, não terá concorrido para que ele, se sentindo, como dizem, publicamente, influentes círculos renamistas, se decidisse nesse sentido?
Nyusi se pronunciou em torno da alegada desorganização da Renamo alguns dias depois do secretário-geral daquele partido, Manuel Bissopo, ter sido vítima de um atentado contra a sua vida, na cidade da Beira, estando neste momento a beneficiar de relevante assistência médica numa clínica algures na vizinha África do Sul. Já agora, nos parece até verídico que se não sabe quem é o número três, quatro, na Renamo, depois de Dhlakama, indiscutivelmente número um, e de Bissopo, formalmente número dois. E na Frelimo? Sabe-se quem é o número três? Formalmente, o presidente e o secretário-geral são, respectivamente, números um e dois. A dimensão material pode ser controvertida nos dois principais partidos políticos do país, talvez se exceptuando nisso Dhlakama, cuja liderança partidária não encerra dúvidas, mesmo para o próprio PR. Aliás, no próprio Governo, se os números um e dois são, respectivamente, o PR e o Primeiro-Ministro (PM), qual era o posicionamento hierárquico de Armando Guebuza, na altura ministro dos Transportes e Comunicações, quando funcionou negociador-chefe da equipa governamental? E de José Pacheco, ministro da Agricultura [e Segurança Alimentar], mais recentemente?
Se dúvidas ainda houvesse, já que houve quem festejasse o desarmamento compulsivo de parte da guarda de Dhlakama, o que foi por alguns confundido como o desarmamento da Renamo como um todo, há agora clareza quanto ao impacto negativo que tal está a ter sobre o processo de diálogo, que vinha decorrendo em moldes, há que confessar, insustentáveis e até nocivos ao próprio Estado de Direito Democrático, já que o Parlamento, pelo menos para o que fosse consensualizado ali, não passava de uma espécie de ‘cartório notarial’.
Sendo Nyusi comandante-chefe das Forças de Defesa e Segurança (FDS), conforme estabelecido pela Constituição da República de Moçambique (CRM), e não tendo, até hoje, condenado os dois ataques de que Dhlakama foi vítima em Setembro de 2015, tendo sucedido o mesmo quanto ao desarmamento compulsivo de parte da guarda do líder da Renamo, ao aparecer, agora, a afirmar, sem reservas, que o facto de Dhlakama se achar neste momento em ‘parte incerta’ dificulta o restabelecimento efectivo da paz, o PR está, até prova em contrário, a admitir que, naturalmente sem querer, cremos, está, ele próprio, a contribuir para que cada passo signifique coisa outra e não avanço. A única coisa que Nyusi fez foi apelar aos comandos das FDS para que primassem pela ponderação, como se ele fosse um mero analista. E, nos últimos há notícias, quase que diárias, de ocorrência de confrontos, ali e acolá, com o que se estão a perder vidas e se está a recuar ainda mais.
Achamos nós que talvez se deva, mesmo, relativizar esse posicionamento de Nyusi, segundo o qual o facto de Dhlakama estar em ‘parte incerta’, esteja a dificultar tudo. Terá, alguma vez, o Governo endereçado uma correspondência ao gabinete de Dhlakama, não tendo, a mesma, sido respondida? Até onde estamos informados, não. Por outro lado, sabemos, de fontes da Renamo e do próprio partido no poder, que Jacob Zuma, presidente da África do Sul, já se manifestou, designadamente em Novembro do ano passado, disponível a mediar, mas que a solicitação, à luz do Direito Internacional, deve ser feita pelo Estado moçambicano e não por um partido político, neste caso a Renamo. O que Nyusi tem a dizer quanto a este aspecto? Sabe-se que a carta-resposta de Zuma chegou ao gabinete de Dhlakama por via da Embaixada de Moçambique em Pretória!
A falta de confiança entre as partes, que existe desde os primórdios da nossa democracia, há-de estar, por estes dias, naturalmente mais agudizada, sobretudo depois dos dois ataques à comitiva de Dhlakama, do assalto oficial à residência deste e do atentado contra a vida de Bissopo, este último há duas semanas. Mas o PR não deve desfalecer, não deve nos transmitir cansaço, não deve se limitar a lamentações. Diferentemente de Guebuza, antecessor de Nyusi, que dizia que Dhlakama não tem palavra, o PR parece estar a esbarrar-se com algo mais grave ainda.
Se a mediação interna já não se mostrar efectiva, julgamos nós que, pela paz, amigos e irmãos de fora nos podem apoiar. Ou se crê mesmo que pela via militar é possível resolver-se o diferendo? Bem, nós nos inclinamos, de forma inequívoca, aos que apregoam o diálogo como o princípio e o fim. Aliás, a história dos conflitos assim ensina!




Ericino de Salema, Savana 05-02-2016

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